O
choro toma conta dos entes queridos, as flores perfumadas invadem os narizes e
pensamentos dos curiosos que foram olhar o morto. O caixão no meio da sala como
de costume, com uns arranjos de flores baratas com suas respectivas velas
brancas - que muitos acreditam – seja para iluminar o morto em seu caminho ao
céu. Era meio dia, o sol castigava os corajosos que se arriscaram a andar sem
sombrinha, na funerária só há 3 ventiladores, dois na sala de recepção e um na
sala do funeral, as mulheres se abanando com os jornais e folhas que encontram
pelo meio, os homens entram e saem da sala para pegar um ar, até o defunto está
suando. Ao lado direito do caixão está a
Dona Lurdes, mulher do defunto, encontra-se desorientada, no seu olhar sente-se
o caos, a angustia, a desolação. O caixão aberto torna as coisas mais difíceis,
pois dá aquela sensação de que o personagem deitado ali, a qualquer momento vai
acordar e beber aquele cafezinho com bolacha digno do funeral. Ao lado da mãe
está a filha, tentando acalmar sua progenitora, mas nem ela mesma consegue se
segurar e logo caí no choro, que logo os familiares acudem de maneira instantânea
para consola-las.
Na lateral
da sala está Dona Eugenia, senhora de pelo menos 45 anos, baixinha, cabelo
branco, ela tenta pinta-lo, mas não dá jeito, quando fala sente-se um cheiro
horroroso que saí da sua boca, Salvador, 29 anos, magro altura média, cabelo encaracolado,
é meio cego, por isso usa óculos do tamanho de uma garrafa de coca-cola e Dona
Carmen, que discutem entre si, o quanto o defunto fará falta para a pobre família,
que dependia só dele para viver -coitadas, e agora, será que ele deixou seguro
ou algo assim? Pergunta Dona Eugenia,
Salvador
responde- Menina, acho que não, que o pobre trabalhava na feira vendendo peixe,
nem dinheiro pra comer direito tinham, tu acha que ele ia ter pra seguro mana?
- É
mesmo, o coitado se matava de trabalhar pra sustentar essas duas. Uma colega
minha, que era vizinha deles, dizia que ela ainda traia ele, assim que ele saía,
ela botava os macho dento de casa.
-
Dona Carmen, mulher de 60 anos, com pelo menos 120 quilos, roupas estampadas
vermelhas, interrompe a conversa de maneira soberba - mas o defunto não era
nenhum santo, anteontem mesmo quando estava passando em frente à casa dele, me
olhou de um jeito muito estranho, parecia que ele estava “mim desejandu”.
Enquanto
a conversa dos três se desenvolvia, 4 homens entraram pelo caixão, estava na
hora de enterra-lo, um dos homens, se mostrou inseguro e nervoso ao pegar em um
dos lados do caixão, enquanto isso, todos ficaram atentos ao momento em que o
levantaram, o homem inseguro fraquejou, por um momento todos acharam que o
morto iria cair, mas não passou de um susto, o homem logo se recompôs e conseguiu
equilibrar seu medo com o caixão. Levaram-no ao carro da funerária, uma Paraty
anos 90, com uma ferrugem camuflada por uma pintura barata, o colocaram dentro
e organizaram as flores logo em seguida.
A
sirene tocava quando passavam pela Av. Boulevard em direção ao cemitério, já
havia 2 horas estavam nesse engarrafamento, o suor do motorista se mistura com
o cheiro de rosas do morto e as assoadas de nariz que a viúva fazia de 1 em 1
minuto.
Subindo a ladeira sentiu-se um
barulho de explosão muito forte, o rosto do motorista da Paraty foi de susto
imediato, parecera que o coitado sabia que vinha merda pela frente, a viúva surpreendida
apenas deu um grito pelo susto.
Lá
atrás da Paraty vinha a caravana do ônibus de parentes e mais dois carros cedidos
pela funerária para o transporte, desde ali alguém gritou – essa porra estourou! O motorista, disse em voz baixa – hiii, o
pneu estourou, eu disse pra esse filha da puta comprar um pneu novo.
O
transito parou, o sol de uma hora da tarde açoitava a lataria, as buzinas de
carros não paravam, a sirene da Paraty se tornava mais alta, os motoristas dos ônibus
comerciais puxavam as cabeças para fora tentando adivinhar o que o motorista
faria.
Seu
joão desceu da Paraty, pegou uma chave e
começou afrouxar os parafusos do pneu, ele só esqueceu que estava em um início
de ladeira, continuou afrouxando, afrouxou o último, engatou o macaco, na
terceira volta o carro estralou e logo em seguida caiu para o lado de onde já
não havia mais o pneu, apenas o vazio dele, a parte traseira do carro se curvou
para trás levantando a parte dianteira, o porta malas abriu e o caixão com o
defunto voou virando-se, trazendo o
morto para fora dele, e assim foi, um choque, 13:30 da tarde um tanto singular,
com um defunto estendido no asfalto de mais de 40 graus centigrados, um
engarrafamento de 3 km, um calor digno de Manaus e milhares de buzinas pedindo
pressa, sem saber o que tinha acontecido logo na frente. E assim ficou para a
história, o enterro de seu Arduino, o anônimo mais famoso de Manaus, que virou
celebridade quando ia pra seu sepultamento.