segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O LEITE DO VICIADO PARANOICO - Crônicas de um (m)hotel




Noite de sábado, o dia mais movimentado entre os hotéis na cidade e acho que no mundo também, o vai e vem dos casais se torna cada vez mais intenso, até o momento em que não há mais quartos livres, então começa a fila pela espera, é bem engraçado ver 3 casais esperando  em uma sala com 2 sofás os últimos 10 minutos que faltam para o outro casal sair do quarto, eles se olham, alguns se paqueram e  já  houve até casos em que ficam tão amigos que no final decidem entrar juntos no quarto e fazer um mega surubão em homenagem à nova  amizade.
00:30 já estou exausto, pois além de ser um sábado também é dia de pagamento, até essa hora no meu caixa já tem pelo menos 600 reais,  quem dera esse dinheiro fosse meu, por minutos penso em me tornar empresário deste ramo futuramente, é um investimento bom, pois  é uma necessidade humana que é tão importante quanto a alimentação, as pessoas podem ficar sem comprar roupa, sem ir no cinema, sem sair para beber, mas não sem transar, acho que tem aquela  frase feita para este pensamento “não só de pão vive o homem” .
Meu sonho de tornar-me milionário acaba quando um cara branco de pelo menos 1,85 de altura, muito bem vestido, em media 38 anos, camisa branca manga curta impecável, porem muito suada, calça jeans azul clara e sapato de empresário marrom, estava só, estranhei achei que iria esperar alguém, pois quem chega só no hotel está esperando a amante ou prostituta, ele  bate no balcão e pergunta – eia cara, tem quarto?
Um casal tinha acabado de sair de um dos piores quartos, pensei naquilo que o chefe tinha falado no começo da minha “carreira” de recepcionista, o bom para o bem vestido e ruim para o mal vestido, olhei para ele e disse – olha, tem um quarto, mas acho que o senhor não vai gostar.
Percebo que ele está meio acelerado, falava muito rápido e pega mil vezes no seu nariz com medo que escorra alguma coisa lá de dentro, algumas das muitas coisas que aprendi nesse ramo foi identificar gente chapada , na hora percebi que aquele cara não estava só a toa, na verdade ele queria curtir sua noite só, e acompanhado por uma “branquinha”.

- tudo bem, não quero luxo não, tem cama, frigobar?

-tem sim.

-blz, então vou pra lá.

Entrego a chave do 108 para o cara, ele pega e pergunta se tem cerveja, digo que sim, a  madrugada continua normalmente, lá pelas  2 horas da madrugada o telefone toca, era do 108, ouço uma voz assustada, com medo, falando bem baixinho, que diz:
- cara a CIA está me seguindo, ta  cheio de agentes me vigiando aqui no quarto, pelos buracos da porta, eles estão passando para me matar, preciso que você venha aqui para ver se eles vão embora.
Eu meio assustado e curioso acudi ao chamado do cara, estava intrigado para ver o que tinha naquele quarto de tão assustador ou estranho, chego bato na porta, ele abre, bem ele estava em estado de choque, no seu nariz ainda resíduos de algo muito parecido com farinha de trigo, seu rosto pálido e seu suor me deu entender que realmente o cara não estava de zoação,  ele estava preocupado mesmo, para acalma-lo disse:
- senhor, não tem ninguém aqui fora, deve ser as baratas ou ratos que passam sempre por esse corredor.
Nesse momento não menti, realmente aquele corredor era infestado desses bichos, continuei.

- o senhor acha que a CIA vai vir aqui pra Manaus só pra vigiar o senhor?

- eu acho que sim, ele respondeu.

- aqui é muito quente, eles não gostam de lugares quentes;

Eu sei, isso é uma justificativa pouco persuasiva e até mentirosa, pois esses caras entraram até na selva da Bolivia para matar o CHE, mas para alguém que tem  o nariz repleto de pó branco isso faz todo o sentido, não ia me matar tentando achar justificativas plausíveis para aquele aspirador de talco.
Consego convencer ele de que tudo está bem e ninguém vai machuca-lo. Volto para meu posto de trabalho, meia hora depois o telefone toca, é o 108 de novo, atendo  desconfiado:

-alô

-cara, sério não é mais a CIA é galera toda do star wars, sério cara já ouvi uns barulhos por aqui é o exercito do DARK, ta cheio aqui desses soldado de branco, eles acham que eu to com a princesa.

Nesse momento percebi que o cara tinha grande imaginação e era fã do star wars ou super Mario ( por causa da princesa),desci de novo, já estava cansado desse negocio, bati e fiz uma pergunta retorica:

- o senhor usou alguma coisa?

Ele olhou para mim com cara de surpresa, baixou a cabeça e respondeu:

- usei sim cara, só que essa porra estava pura, e isso me deixou paranoico, meu coração tá a mil, to sentindo que vou morrer.

Nesse momento fui eu quem ficou frio, pensei dentro de mim que se esse cara morresse no hotel, provavelmente eu ia perder meu emprego, pois o deixei morrer no meu turno e eu não ganharia meu mais meu salário, quando ele percebeu minha reação disse:

- a não ser que tu me consiga um copo de leite cara, serio cara, com um copo de leite eu me acalmo.

Porra! Um copo de leite? Isso é sério? Pensei enquanto olhava para ele, eu esperava que o cara pedisse um whisky, uma agua tônica, mas um copo de leite, isso que a gente pode chamar de “drogado infantil “ repondo:

- ok senhor vou ver onde consigo.

Onde que eu ia conseguir um copo de leite 3 horas da madrugada? Respiro fundo enquanto saio do corredor e subo as escadas para ir até a recepção, penso em algum lugar no qual possa encontrar leite, na recepção temos  números de várias pizzarias e lanches, decido arriscar, acho que o cara dá uma risada discreta enquanto pergunto se eles podem trazer um copo de leite até um motel, mas ele diz que eles podem levar,  foi o copo de leite mais caro que vi na minha vida, 10 reais um copo de leite de 500 ml.
Bato na porta do 108,  bato de novo ouço um grito que diz:

- é você?

-sim.

Abre a porta um cara transtornado, olhos vermelhos e muito mais suado do que da ultima vez:

- tá aqui seu leite senhor, ta quente.

- opâ, valeu cara, agora sim vai dar pra cheirá mais uma de 30.





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